Polinização
Quando é tanta a vontade de se ser escutado… Quando é tanta a vontade de peneirar o som, distinguindo os ruídos da música dos dias… Por vezes silenciávamos, desejando calar o pensamento em rotação contínua, fruto de horas ininterruptas de espaços fechados, de paredes vazias e de gente mecanizada. E porque há essa vontade há uma espécie de irmandade que nos liga, que nem teia de lã segurada por dedos pertencentes a corpos, que são únicos e têm um nome. E quanto maior é esse desejo de escuta, maior é o grito por vezes, porque ninguém se dignou a prontificar-se para esse tempo, esse momento que é um presente e é volátil, porque inexorável e em constante transformação. Por vezes encontramos esse tempo que fica suspenso no ar, porque nos predispomos a olhar para o mundo do outro que está à nossa frente e começamos a viajar dentro dele. A chave para esse jardim secreto está nas mãos de todos nós. É tal e qual as chaves que existiam na casa de outros tempos dos avós a abrir portas de madeira cantantes, aparentemente cansadas da sua existência, mas a entregar-nos o mais misterioso dos caminhos, entrelaçado em heras e flores silvestres a esconder uns e a abrir outros. Viajávamos sem garantias de nada, a melhor das mochilas, e depois trilhávamos aquela magia sem hora e lugar precisos, estacando no fio de luz a iluminar as invisibilidades que polvilham o ar que respiramos e que não vemos.
Escuta os meus detalhes, aquilo que não te mostro logo no primeiro encontro, aquilo que escondo dentro de mim pelas razões que só eu própria conheço. Escuta a profundidade do meu olhar e aquilo que nele habita, não te resignando à superfície da cor. Escuta a dança do meu grito, aquele que finjo que não digo, mas que o meu corpo não deixa esconder, por vezes na minha voz, nas minhas mãos, no leve arquear dos meus ombros. Escuta toda esta história singular, aquela que nos vai esboçando, delineando formas e tonalidades inconstantes. Mergulha nos barulhos da vida, mas atenta na escuta do voo de um olhar, de um gesto, de uma palavra, tal qual pétala ao vento, a aspergir por aí vestígios de néctares outros.