Quase incógnito
- Teresa Pêgo
- 1 de dez. de 2019
- 4 min de leitura

Nas nossas vidas diárias, no meio das nossas cidades, esquecemos-nos dos segredos da floresta. Houve um dia em que decidimos subir a montanha, bem ali no centro de Portugal, onde o silêncio superou todos os ruídos possíveis da nossa mente. Alguns de nós passam a maior parte do tempo imersos em listas intermináveis de tarefas, de situações que precisam de ser resolvidas ali naquela dimensão em que vivem, mas aí, quando passamos pelas veias da floresta, tudo se esvai e se reduz à simplicidade das experiências quotidianas, aquelas pequenas nuances que nos permitem respirar.
A terra permite-nos. A terra sussurra dicas de pequenos sabores que tendemos a esquecer e que recuperamos lá de manhã. Porque, de repente, há uma vontade de fazer parte de cada braço de sementes germinadas que nos saúdam à entrada daquele caminho tortuoso até a aldeia amontoada em camadas de xisto e verde, até onde nossos olhos podem alcançar.
Na escuridão os sentidos são limpos e começamos a ouvir a pele e o que ela comunica, em contacto com o exterior. De repente, há pontes invisíveis que abrangem as visíveis, de madeira, onde passam, por baixo, fluxos subtis de água pura, vindos de lugares escondidos da montanha. Foi um grupo de jovens que, na década de 1980, descobriram aquele pedaço de casas mantidas juntas, num abandono dos tempos que obrigavam os moradores da floresta a procurar novas formas de subsistência em lugares mais populosos e onde os recursos eram outros. Foi essa exigência necessária, ou foi apenas motivada pela curiosidade e pelo medo de ouvir um silêncio cada vez mais ensurdecedor que nos enviou para dentro de nós mesmos?
As palavras silenciosas intrometeram-se dentro dos nossos ouvidos e nos instigaram a fazer a procura. Em todos os lugares, um frio fresco e natural que simplesmente refrescava o rosto, mas deixava as outras partes do corpo, dormindo sob as roupas de inverno, em paz. Subimos os degraus sinuosos e escorregadios de xisto até encontrarmos uma porta que nos absorvia num espaço acolhedor, com cheiro familiar, aqueles cheiros que nos proporcionam viagens de memória e encontros com situações de outros momentos. Ao lado da porta, um cão que dormia, embalado nas conversas amistosas das flores do vaso que servia de cama. A anfitriã era uma espécie de elfo que emergia dos contos de fadas e nos cumprimentava com um sorriso atento, alternando com gestos que pareciam café e bolo de abóbora. Ela levou a curiosidade até à porta da casa que protegeria o nosso cansaço por alguns dias e deixou-nos rendidos ao abraço húmido daquele lugar que pedia tempo.
A manhã foi surpreendida com os desejos dos transeuntes, aqueles que passaram e ficaram, entregaram-se aos encantos das casas, à simples simpatia do povo e ao que eles tinham para contar. Porque esse lugar não era só para ficar e contemplar a floresta; porque este lugar era um equilíbrio entre a rendição à fluidez da vida e a sua mera observação, bem como à sua experiência. Através da sinuosidade das ruas, o odor da pedra circulava atrás de uma porta onde um grupo de curiosos se dedicava à escultura. As próprias casas foram um reflexo da realização das idéias de alguns, a materialização de algo que antes era um invisível suspenso num espaço que nem sabia exatamente onde estava.
Havia vasos albergando o interesse indiferente das vistosas flores coloridas que observavam a ansiedade pela aventura dos ciclistas de experimentar as incertezas da terra. Eles entraram no espaço onde o café da manhã era servido. Um local de encontro: connosco, com outros que compartilharam as suas histórias e com o local em redor. Um lugar que reuniu as histórias da terra na forma de comida. Aqui as histórias tinham sabor e cheiro. Uma aldeia maternal que agora protege e nutre, agora impulsiona a curiosidade e a descoberta.
Ao nos deixarmos envolver pela natureza que rodeava aquela aldeia, era como se também estivéssemos connosco. Parecia que a rendição dos nossos pés aos caminhos que sustentavam a nossa marcha era uma comunicação entre esses dois mundos, aparentemente tão distante, mas tão próxima na realidade. A persistência das correntes acompanhou a assertividade dos movimentos que se contorciam para superar os obstáculos que enfrentávamos. Posso dizer que a caminhada é muito semelhante à vida, porque nunca temos certeza do que podemos encontrar e, portanto, da adrenalina gerada com um traço de medo no fundo do corpo. Neste centro da terra pulsava o silêncio nascido e adormecido atrás das montanhas, que foi quebrado pelo riso franco dos córregos para extinguir todos os habitantes que residiam lá, mesmo os impermanentes; um silêncio que pintou as tardes de rosa e que estreitou os laços dos viajantes.
Nas rugas dos troncos daquelas árvores, podia-se ouvir a luta pela sobrevivência daqueles que ali viveram no século XVII, que viveram do que produziam e do pasto, tentando esconder o presunto em buracos, durante a invasão dos franceses. Já naquela época, este lugar permaneceu quase incógnito, excepto pelos seus habitantes que o estavam a deixar, pouco a pouco, fruto da evolução dos tempos. Mas a partir da ruína pode-se reconstruir e pode-se recriar. Partindo das raízes, e no meio do nevoeiro, surge um novo local no século XXI para prometer viagens dentro de quem o conhece e por ele vagueia na forma que acha mais interessante. Porque o que é mais atraente é justamente isso, é cada um encontrar o seu próprio conhecimento nos lugares e daí colher os frutos, sempre únicos, porque diferentes de pessoa para pessoa.
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