Sou 10% de poeta

- Sou 10% de poeta.

- Só isso?

- Sim, é melhor isto do que nada.

Tinha uma percentagem de poesia a habitar dentro de si. Racionalizava-a e tornava-a mensurável para que alguns conseguissem compreender a quantidade de poesia, que ia aumentando e diminuindo consoante o momento, a poesia a subir e a descer dentro de retângulos coloridos, sustentados numa linha reta, com números a dançar à volta. Era importante para ele percebê-lo e expressá-lo de forma a que quem ouvisse compreendesse que não só a sua pele continha poesia. Pretendia a exatidão talvez para convencer melhor, para tornar mais entendível aos olhos de quem matematiza a arte. Ele próprio também o fazia, mas era mesmo só para servir de sustentação ao seu pensamento, para torná-lo mais credível, porque na verdade o que era isso de contabilizar a poesia dentro de um ser? Quanta poesia existe num dedo do pé? Qual é o espaço que a poesia ocupa dentro do cérebro, nos confins da alma que nem mesmo se sabe onde reside, apenas se sente presente, apesar de não se lhe conhecer o paradeiro. Incrível como tudo está arrumado dentro do corpo, mas não se sabe da alma… anda para lá perdida a viajar entre os interstícios do estômago e do pâncreas. E a percentagem onde estava? Na alma? E como se mede a alma? Porque, na verdade, diz-se que alguém pode ou não ter uma alma de poeta…. E por esse motivo a poesia também lá anda perdida, juntamente com alma, de mãos dadas, num voo de eternidade.

- Sou 10% de poeta.

- Só isso?

- Sim, é melhor isto do que nada.