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Aprender... até quando?

  • Foto do escritor: tmpego
    tmpego
  • 27 de jul. de 2021
  • 5 min de leitura


Cresci no meio da cidade e, durante grande parte da minha infância, vivi num rés-do-chão que tinha uma varanda sobre um espaço enorme empedrado com garagens e com muros que davam para pomares onde a aventura era uma promessa.

Na minha casa havia sempre música no ar em várias línguas: desde os portugueses da música de intervenção, aos brasileiros como Elis Regina ou Chico Buarque até chegar aos franceses como Léo Ferré, Joe Dassin, Jacques Brel e Edith Piaf.

Os meus cenários vespertinos eram passados a brincar com os meus bonecos, a ouvir os gritos das andorinhas ou a imaginar viagens mirabolantes, na minha bicicleta, por países que não conhecia (mas ansiava conhecer).

Fortemente influenciada pela animação da Disney e de Hayao Myazaki, mergulhava frequentemente nesses mundos fantásticos, construindo realidades que eram um misto de verdade e ficção, mas que bem me satisfaziam na altura.

O que gostava mesmo era de passar algumas tardes na casa de uns tios que tinham uma casa com vista para o Castelo de Leiria. Na janela, dançava um peixe feito de madrepérola que ritmava a minha leitura desenfreada de bandas desenhadas arrumadas numa estante. E foi assim que fiquei uma adepta da nona arte e, graças a esses tios e a essas tardes magníficas, pude ficar a conhecer nomes como Tardi, Hugo Pratt, Quino. Muitas outras leituras se seguiram a partir daí. Talvez a nona arte tenha sido um trampolim para a literatura.

Na escola que frequentava, local para esfrangalhar joelhos quase de forma diária nos largos troncos que nos serviam de bancos, de mesas para pôr as nossas comidinhas feitas de terra e folhinhas, cantávamos o hino de Portugal. Tínhamos um professor de cabelos muito brancos ao piano que nos dava instruções para segurarmos as nossas clarinas muito vermelhas e de teclas multicolores e para nos preparar para as festas principais do ano.

Poderia agora escrever muito mais sobre outras experiências de vida e sobre como elas foram cruciais para o meu desenvolvimento enquanto pessoa. Sempre tive consciência, desde miúda, da importância de todas as atividades (talvez aqui o grau de importância do tipo de atividades fosse um pouco ao encontro do que a sociedade ditava na altura e ainda agora – que as atividades artísticas eram sempre consideradas um complemento e não parte fundamental da estrutura de aprendizagem de qualquer pessoa). A arte e a natureza sempre estiveram presentes ao longo da minha vida. Penso que sempre as procurei. Tinha necessidade delas, eram uma espécie de fonte de energia, apesar de, quando era mais nova, não ter essa consciência.

Numa primeira fase, a minha escola inspirou-me e ficava perto de um grande jardim numa cidade pequenina e com história. À medida que fui crescendo tive de me ir rendendo a outro tipo de escola e a outros desafios. Retirei sempre aprendizagens deste percurso que fiz, no entanto fiquei sempre com a ideia que a escola poderia melhorar. Depois de ter acabado a faculdade, quando iniciei a minha profissão enquanto professora, senti-me literalmente “atirada aos lobos”, apesar de ter tido uma orientação fantástica por parte de duas professoras maravilhosas que tiveram a generosidade de nos mostrar os meandros da escola e de como ela funcionava e como nós poderíamos também funcionar dentro dela. Esse foi o meu melhor ano de trabalho numa escola pública, porque tive a oportunidade de partilhar conhecimentos e ideias com um grupo que acolhia e que não era propriamente adepto de competição. Aprendi imenso com aquele grupo de mulheres. Não quer isto dizer que nos outros anos não tenha crescido em termos profissionais, porque cada um de nós cresce sempre de várias maneiras, no entanto o sentimento de acolhimento nunca mais foi o mesmo e o espírito de equipa também não.


Fiz, então, a seguinte questão: espaços educativos aprazíveis poderão existir?


E comecei a busca. Entretanto, nasceu também o meu filho e procurei de todas as maneiras encontrar sempre uma escola que lhe permitisse Ser. Na altura, nos inícios do século XXI, havia muito pouca coisa, no entanto consegui encontrar uma escola que respondia na perfeição ao que pretendia: uma escola que dava importância às artes e ao desenvolvimento integral das crianças, dando também muita importância à natureza. Nessa escola, conheci também pessoas muito interessantes e curiosas por estas temáticas. Paralelamente a esta minha busca de caminhos escolares aprazíveis e de aprendizagem profunda e significativa, entrei para o mundo da descoberta pessoal e comecei na demanda de um caminho mais consciente.


E então desenvolvi a minha questão anterior: espaços educativos aprazíveis poderão existir, usando as artes e a natureza como formas de aprendizagem e tendo em conta o desenvolvimento integral da pessoa?


Foi aqui que dei por mim a descobrir novas pessoas, novas palavras, novos lugares. De repente, o mundo expandiu-se! Comecei uma viagem de aprendizagem autodirigida e, claro está, as artes continuaram a ser uma constante ao ponto de fazer uma pós-graduação em arte terapia, acrescentei-lhe uns pós de perlimpimpim de desenvolvimento pessoal quando fiz também a pós-graduação em coaching, e assim continuei a viajar. Apercebi-me que éramos muitos a fazer estas viagens nesta busca de locais de aprendizagem verdadeiramente significativos e onde se enfatizasse a cooperação e não a competição.


“É indispensável, para a saúde, que existam espaços de liberdade, sem avaliação nem expectativa, onde possamos explorar novos conteúdos e situações, exercitar o que sabemos, refletir e criar, isto em qualquer idade ou situação de vida. (…)” (Ilan Brenman, autor de livros infantis).


Descobri que existem espaços educativos que valorizam todas as atividades como sendo igualmente importantes para o desenvolvimento integral do ser humano, dando especial ênfase à conexão com a natureza. Descobri que é possível criar espaços onde nós queiramos (seja online, seja presencialmente, ou as duas de forma alternada) e com quem sinta apelo por estas formas de aprendizagem, porque na verdade existem vários caminhos para ela, só é preciso que estes estejam bem visíveis e disponíveis a quem pretenda percorrê-los. E descobri que existem pessoas que acreditam nestes valores, aqui no meu país e fora dele, no entanto, por vezes, há uma subtil pressão para se percorrer apenas um caminho, definido como sendo o caminho ideal, mas na verdade existem vários para se chegar onde a pessoa almeja.


E o aprender tem limites?


Cada caminho, cada viagem pessoal é um universo único e diferente, apesar da nossa humanidade nos igualar (porque somos todos seres humanos), e a aprendizagem é sempre um contínuo, assumindo, nos diversos momentos da nossa história de vida, roupagens diversas. A aprendizagem tem limites? Só tem limites se nós o impusermos, ou se acontecer algo que nos é externo, não tendo nós a capacidade de caminhar porque o nosso corpo pode ter deixado de funcionar, mas, mesmo assim, poderá haver uma necessidade de reaprendizagem ou de desconstrução e nova edificação de saberes. Cada pessoa definirá o seu caminho de aprendizagens, o que quer aprender ou não, como o vai fazer e até quando. Para além disso, como somos seres em construção permanente, aquilo que numa fase da vida poderemos querer, numa outra fase pode já não acontecer, porque houve uma mudança em nós. Faz parte do nosso caminhar. Cada um delineará um mapa para ir ao encontro daquilo que se lhe afigura mais condizente com os seus valores e com a sua forma de entender a vida. É um caminho interior que cada um moldará como achar que para ele faz sentido.


Assim sendo, a aprendizagem é uma constante e nunca parará logo depois de se atingir a escolaridade obrigatória, ou depois de concluir a universidade, ou de se ter defendido a tese de mestrado. Falo aqui de uma aprendizagem diária com as situações que nos surgem e das quais não estamos à espera; do afinar do olhar para cada pessoa com quem nos cruzamos e que nos passa uma mensagem; da forma como as árvores comunicam na invisibilidade, ou da maneira como o mar vai sendo fiel à lua, mostrando a sua vulnerabilidade. Quando enveredamos por caminhos que nos são apelativos, a viagem é imparável e nunca mais se consegue parar porque a diversidade é infindável.

 
 
 

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