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A poética do yoga, expressão artística e movimento e a dança dos quatro elementos

  • Foto do escritor: tmpego
    tmpego
  • 3 de mar.
  • 4 min de leitura

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à Maria,

aos amigos que encontrei neste lugar,


Entre montanhas e vales do centro de Portugal, seguindo por estradas em serpente vamos desembocar numa quinta com grandes portões de um verde-escuro. A Quinta São José dos Montes. Logo à entrada, um abraço de folhas, de ramos, de terra a olhar-nos bem fundo no coração.

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A Maria. A Maria é um ser mágico de longos cabelos de água e de fogo, olhos amendoados com mundos infinitos dentro, um sorriso rasgado de flor e um abraço casa. Conheci-a em 2016 na pós-graduação de Arte Terapia e Waking Dream Therapy, em Lisboa, e reencontrámo-nos em 2021, tendo o yoga como laço de união. Como disse, a Maria é um ser mágico, um ser que tece linhas de união entre realidades aparentemente distantes, mas que na invisibilidade profunda se emaranham e influenciam imenso.


28 de fevereiro de 2025. Tomar. Quinta São José dos Montes.


Do lado esquerdo, um caminho até à árvore dançante, vestida de caçadores de sonhos e de olho atento aos nossos passos; do lado direito uma entrada em arco que levava a uma porta de um verde escuro. Por cima da porta, as bandeiras tibetanas oscilando na leve brisa vespertina, prenúncios de harmonia. A porta pesada entreabriu-se, lenta, para um lugar mágico, sagrado, de contemplação, onde, ao centro, ardiam pequenas velas. Não havia muita luz, mas, na verdade, não havia necessidade. A força da luz vinha de dentro.


Sob o olhar de Sarasvhati, a deusa da sabedoria, das artes e da música, uma deusa ligada à fertilidade das terras, da voz, do próprio cosmos, a Maria iniciou esta viagem. As vozes unidas entoavam o OM, som primordial do universo, e a partir daí o movimento dava-se dentro de cada corpo que chegava àquele lugar, ao seu ritmo, ao seu tempo. Os corpos moviam-se em uníssono, formando uma única voz. Sente-se o mover de cada parte de nós, aquilo que é dança interna numa expansão infinita em conjunto. Os segredos da terra envolviam-nos num embalo, sussurrando histórias de húmus e seiva. Nesse adormecimento desperto, num regaço doce, conseguíamos fundir-nos nesse chão e deixar-nos levar pelos cânticos pulsantes do solo. A Maria passava por entre nós, tal qual fada da floresta, segurando um shanti nas suas mãos, alumiando os caminhos do nosso sono acordado e foi aí que encontrei os olhos da terra e as mãos das mouras encantadas que deslizavam dos fundos das grutas e concavidades daquele lugar.


Saímos dessa fragmentação do ser para a unidade, compreendendo-nos paisagens múltiplas e, assim, fomos sendo num todo cósmico infinito de possibilidades.


Om Aim Saraswatyai Namaha

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Os nós desatavam-se e criavam-se laços, um encontro orgânico com cada um de nós e uns com os outros. Fomo-nos encontrando na prática dos asanas, na respiração conjunta, sentados costas com costas, na exploração brincante das mãos, no mergulho do abraço, na narração de histórias em redor do fogo, na dança do corpo que era desenhado num papel gigante, estendido no meio da terra, por entre o olhar curioso das árvores e dos animais da quinta.


Fomo-nos encontrando nesse círculo, de pés na terra, mãos nas mãos, assistindo ao desabrochar de flores únicas no seu centro. O gesto de cada um nascia do ventre da terra, forte, sustentado pelo nosso abraço círculo. Fomo-nos vendo no caminhar conjunto, escutando a conversa perfumada dos pássaros, nessa consciência do respirar ao sabor do murmúrio das águas da albufeira. Fomo-nos sentindo nessa leveza de estar e ser, escutando os silêncios e os sussurros das águas internas. Fomo-nos escutando nessa mão que dança, nesse riso que se oferece, nessa devoção aos lugares paisagem que são nossos, nesse abraço que envolve, nesse movimento dançante único que é dádiva ao outro, nessa lágrima que desliza e que é nossa (de todos), nas memórias que emergem não só das palavras, mas dos cânticos, daquilo que se escuta e se vê com os óculos da invisibilidade.


Fomo-nos aproximando no saborear cru daquilo que nos nutre com todo o nosso corpo, envolvendo as mãos no alimento, sentindo-o dentro e fora, mesclando os dedos nas tintas, deixando escorregar os braços no papel, na terra, na água, no vento, entregando-nos ao fogo do momento, em total presença. Fomo-nos descobrindo nessa massagem musical ondeante das taças, do tambor oceânico, do shanti, movidos pelas doces mãos da senhora dos elementos, a Cláudia.

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Sarasvhati reuniu-nos à volta do fogo e do fundo do nosso peito, bem aberto à vida, soltaram-se as vozes, sob o dedilhar das guitarras, a vivacidade ritmada do djembé e o pulsar do coração do tambor. E nesse cântico amoroso meditativo celebrámos as nossas raízes, memórias, a nossa união. Somos aquilo que somos.


Fomo-nos percebendo elementos: água, fogo, terra e ar e sentimo-nos em cada traço ondulante, em cada saudação ao sol, em cada mantra, em cada dança com ou sem par, em cada gesto único, fruto de histórias das nossas existências. Infinitude cósmica de paisagens, multiversos.


Eu sou aquilo que sou.

 

Teresa Pêgo

 

Fotografias: Teresa Pêgo, Maria Silva, Rita Pestana, Catarina Silva

 

 
 
 

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