Despenteando Espaços e Árvores de Fruto
- tmpego
- 13 de mar. de 2021
- 6 min de leitura

Os espaços podem ser despenteados em qualquer lugar. No entanto, para isso, precisamos de uma pitada de imaginação, de um grupo de pessoas abertas a dinâmicas diferentes e, principalmente, da autorização por parte daqueles que gerem o espaço onde nos movimentamos. Esta desconstrução de espaços passa pela reorganização do espaço (quando reorganizamos mesas e cadeiras dentro de uma sala), pela alteração do mesmo (quando saímos de um espaço fechado para um espaço aberto), pela modificação do espaço segundo a nossa perspetiva (quando somos nós a movimentarmo-nos dentro do espaço de forma diferente), ou até mesmo pelo nosso próprio “despentear interno” que gera outras formas de pensar, levando à concretização de ideias.
Onde me inspirei?
O espaço, e a forma como o vemos, pode transformar a nossa perspetiva do mundo. Lembro-me que, durante a minha formação em Coaching, o nosso formador dizia-nos para nunca nos sentarmos no mesmo sítio para não criarmos uma sensação de “conforto” que nos levaria a um hábito, não nos permitindo experimentar sensações novas, mas sim sentarmo-nos sempre em locais diferentes da sala, predispondo-nos, assim, à diferença, de maneira a termos uma outra perspetiva do local onde nos encontrávamos. Nunca me esqueci desse “pequeno grande” pormenor, pois considero que surtia efeito, obrigando-nos sempre, no momento de entrada no espaço, a olhar para o mesmo e pensar onde nos iríamos sentar, a respeitar o espaço do outro, se ele tivesse escolhido o local que nós já tínhamos pensado utilizar naquele dia, a imaginar quais poderiam ser as sensações se nos sentássemos num local da grande mesa em “U” que nos aproximasse mais do formador e, por isso, de uma possível interação e exposição maior, a nosso ver (o que não passava apenas de mera especulação). E também me recordo do Professor Keating (ao qual já fiz referência neste blogue) que referia que a forma de nos movimentarmos num determinado espaço também levaria a uma diferença de postura e, consequentemente, a uma nova maneira de perspetivar o mundo. Recordo-me, por exemplo, de uma das cenas do filme em que cada aluno, com o incentivo do professor, subia à mesa do mesmo para poder olhar o mundo com outros olhos, segundo ele. E agora podíamo-nos perguntar se isto acontecia pelo facto de haver uma movimentação no espaço ou se seria a nossa predisposição mental para a mudança, isto é, de repente nós procurarmos contemplar o que nos rodeia com um olhar diferente, um olhar despido e vazio, pronto para absorver o maravilhamento das coisas para as quais, normalmente e no nosso quotidiano, vamos olhando com indiferença, tomando tudo como garantido. Claro que cada um de nós pode escolher a forma como vai encarar o seu dia, se estiver consciente disso, mas o ambiente onde se encontra pode propiciar ainda mais essa perspetiva diferenciada. Para além disso, podemos pensar também num “despentear interior” que nos permite, enquanto professores, formadores, facilitadores de um grupo, pensar as dinâmicas pedagógicas de forma refrescada. Por exemplo, ao invés de iniciarmos uma sessão de formação anunciando o que pretendemos fazer naquela hora, por que razão não começarmos por perguntar aos presentes como se sentem, que histórias têm para contar e o que sugerem para aquele dia?
Como podemos despentear espaços nas escolas, nas empresas onde trabalhamos, nos centros de formação?
Para começarmos a despentear espaços, precisamos de muita energia, persistência e imaginação. Primeiro, começamos por nos despentear, abanar muito a cabeça, podemos até cortar um pouco o cabelo, deixar umas pontas soltas de um lado, outras do outro, e despentear muito até o cabelo ficar semelhante àquelas copas das árvores indiferentes à simetria. Depois, convém fazermos um esquema de ideias, com traços multicolores, com círculos preenchidos a lápis de cor e ficarmos com um caderno colorido que nos dê vontade de olhar e voltar a olhar. A partir daí, dessas ideias que desataram a mergulhar loucamente para o papel entusiasmado, é começar a puxar por um lado esse fio de ideias e compreender de que maneira é que esse fio se pode concretizar materialmente. Como poderei transformar aquele caderno colorido em algo que possa ser transferido para a realidade na qual me movo, juntamente com outras pessoas? E como posso eu fazê-lo, tendo em conta a heterogeneidade de pessoas que tenho à minha frente, tendo em conta as suas sensibilidades e interesses? Aqui, a resposta talvez seja a escuta (a minha para com os outros) e depois tatear e perceber se há interesse em criar um “despentear coletivo”. Se houver, nada mais há a tratar, é só mesmo pegar em todos os “despenteados contagiados” e avançar com a ideia; se, porventura, houver alguma resistência, é procurar escutar atentamente e depois decidir dentro do grupo. E como poderei transformar essa ideia com os “tais despenteados contaminados” em realidade, se me mover num espaço que não é meu, mas que pertence a uma entidade? Neste caso, será necessário um plano de ação devidamente argumentado por forma a podermos sensibilizar a mesma para a concretização da ideia.
Ao longo destes anos, enquanto professora, formadora ou facilitadora de grupos, nunca tive nenhuma situação de resistência, nem por parte dos participantes nem por parte das ditas entidades. Isto porque, tal como disse, sempre procurei dialogar com os grupos e, depois disso, procurei estruturar essa dinâmica no papel, delineando objetivos, conteúdos e descrição da atividade. Claro que isto dá algum trabalho, é necessária alguma persistência, mas essencialmente dá muito prazer a quem participa e muitos frutos.
As árvores de fruto
Tudo começou com as movimentações nas salas de aula, onde as cadeiras e as mesas ou eram desarrumadas das filas onde se encontravam e eram agrupadas em ilhas quadrangulares, ou eram dispostas em “U”, ou eram pura e simplesmente empurradas para junto das paredes por forma a criar espaço de encontro entre os participantes. Nunca esquecer que quando isto é feito, numa sala que tem uma determinada organização inicial, é preciso recordar que no final da sessão tudo deverá voltar ao normal, algo que deverá ser realizado por todos, por forma também a sensibilizar para a cooperação. Das salas em fileiras se passou para espaços de imaginação onde tudo era proximidade e experimentação. Dentro de um espaço fechado, procuravam-se sentidos, através de um passeio com os olhos fechados na demanda de texturas, sabores, sons que fugiam ou perseguiam, e odores que se adivinhavam.
Depois da sala de aula, esperava-se que os sentidos desabrochassem no exterior, no jardim ou no parque, percorrendo a relva sem os sapatos, ou com eles (conforme a vontade de cada um). Acrescentou-se a música para se compreender a importância da respiração e do aquecimento vocal para o despertar do corpo, da escuta ativa, nomeadamente na criação de cânones. No meio das árvores, cantava-se, discutia-se o pensamento de José Tolentino de Mendonça, lia-se em voz alta pelo prazer de ler e de ouvir palavras a voar por cima de nós, dispersos ao longo da relva, encostados uns aos outros, relaxados por cima de uma almofada, descansados por cima de uma manta repleta de livros, de lápis de cor, de mandalas acabadas de colorir e de pedras e paus apanhados do chão para fazer uma dinâmica de equilíbrio com recursos naturais e, quem sabe, uma obra de arte coletiva. A dança de roda também os aproximou, também lhes movimentou corpo, já que esse despertar é crucial para uma melhor apreensão de conteúdos. No entanto, será natural que em determinadas alturas possa haver sempre aqueles que fiquem surpreendidos com algumas metodologias que não são costume no jardim daquela entidade, como foi o caso do jardineiro de uma das empresas onde lecionei durante alguns meses. Nesse jardim, aquando de uma das dinâmicas de despertar de sentidos em que o grupo estava numa roda de olhos fechados debaixo de uma pérgula, o cantoneiro apareceu, pé ante pé, com o ancinho na mão e de olhos esbugalhados, pensando que estaria a ter alguma visão do paranormal, dizendo (quando percebeu que afinal aquilo não passava de uma dinâmica pedagógico um pouco diferente): “Pensei que estava a ficar doente… que estava a ver coisas do outro mundo…”.
E era bonito perceber que, para aqueles que já tinham crescido e que participavam nestas dinâmicas em que os espaços se despenteavam, eles próprios também se contagiavam com novas formas de ver a educação, a vida, e que já tinham sementes neles e que os braços se espalhavam com novos ramos que afagavam outros ramos, em casa, na rua, no jardim, no trabalho. Eram árvores de fruto que, através do despentear de espaços, uma outra forma facilitadora de aprendizagem, reconheceram o valor dos seus frutos e os tornaram mais visíveis e ainda mais saborosos e perfumados.
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