Ler, dançar e aprender
- tmpego
- 6 de abr. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 9 de abr. de 2021

A motivação
Muitas pessoas, nomeadamente professores/formadores e pais, perguntam-se como podem motivar os seus alunos/formandos e filhos a ler, a ser mais proativos, a valorizarem mais a arte, a natureza e a educação. Daniel Pennac, no seu livro “Como um romance”, defende que a leitura em voz alta, feita de forma recorrente, é a melhor forma de se motivar alguém para a leitura; enquanto Erin Gruwell, uma professora americana, acredita que conversando com os alunos sobre os seus interesses se poder ir ao encontro de possíveis leituras. Esta professora criou uma metodologia única (a criação de diários pessoais escritos – Freedom Writers Foundation) por forma a que os seus alunos pudessem praticar a escrita e, de alguma forma, ter uma maneira de se libertar dos “pesos” da vida.
As pessoas são únicas, cada uma com a sua história de vida, mas tanto a leitura em voz alta, como a escuta dos alunos/formandos pode ser um caminho para a valorização da leitura e a curiosidade por um autor e um livro. A leitura é uma forma de arte e pode, e deve, ser incluída nos momentos formativos. Basta ver os olhos arregalarem-se quando, para além da carteira e da mochila do computador, o professor/a leva um saco rechonchudo com livros, retirando-os, um a um, e colocando-os numa mesa a meio da sala à espera de que os alunos/formandos os observem e folheiem. Esse contacto é importante porque, muitas das vezes, existem muitos alunos/formandos que não têm acesso a livros por questões económicas e pelos ambientes familiares onde se inserem, ou por falta de interesse dos mesmos. Estimular à reflexão a partir das capas, as cores do livro, sobre frases desgarradas ou sobre capítulos inteiros, sobre a vida do escritor, sobre as metáforas usadas numa frase, desafiando também a imaginar a voz do narrador ou das personagens que saltitam pela história, tudo isto pode ser uma aventura interessante, mas que leva algum tempo. Muitos dos alunos de que falo são adolescentes, ou estão ainda na pré-adolescência, e, mais atraídos pelas delícias das tecnologias, frequentemente põem de parte, nesta fase, um gosto que foi iniciado durante a infância, através dos pais ou dos avós, ou até mesmo nos clubes de leitura na escola. Fica essa semente suspensa no tempo, podendo ser retomada mais tarde, já na fase adulta. Acima de tudo, no espaço da escola, o tempo e a escuta são necessários para se perceber as reações e os interesses e isto também faz parte da comunicação, é uma forma de nos aproximarmos do outro.
Para além da literatura e do livro, podem-se usar também outros métodos para se sensibilizar os alunos/formandos para o valor das artes na aprendizagem e da sua relevância para uma melhor compreensão dos conteúdos, porque se aprende também com o corpo (e até se aprende de forma mais significativa), se ele estiver bem desperto.
Aprender a cozinhar gomásio? E porque não?
Numa formação sobre língua portuguesa ou sobre comunicação pode-se fazer muita coisa. Podemos visualizar imagens e fazer debates sobre as mesmas, ler textos de neurologistas, de escritores portugueses e estrangeiros sobre temas diversos, utilizar um novelo de lã para nos aproximarmos mais e para percebermos que estamos todos conectados, mais próximos do que julgamos, e, de repente, em conjunto elaborar uma obra de arte palpável em lã, apesar de efémera. Também podemos sair da sala, disposta em u, e caminhar até ao jardim mais próximo e aí apercebermo-nos das cores das árvores, das flores e do chão que pisamos e respirar um outro ar, com todos os sentidos despertos. Logo aí, o corpo se move e deambula por espaços que se transformam.
Tal como disse, num outro artigo, o esquema da comunicação pressupõe muitos elementos em interligação constante. O silêncio pode ser abordado de várias perspetivas, com dinâmicas diversificadas, porque muitas das vezes só com a pele é que conseguimos compreender melhor os conceitos. Ao cantar em cânone, por exemplo, conseguimos compreender como é importante estar em silêncio e escutar atentamente o outro por forma a que as pausas sejam respeitadas e haja um equilíbrio na música que se está a cantar em conjunto: todos têm o seu papel, todos são importantes, no entanto o silêncio, no seu tempo certo, é crucial para que tudo flua de forma harmoniosa. Se se fizer, por exemplo, uma dança de roda, também é essencial, em primeiro lugar, aprender os passos e, só depois, se poderá avançar gradualmente para a dança em conjunto: ou seja, o silêncio inicial para a apreensão do conteúdo e, posteriormente, a prática com o todo. Tal como referi, todas estas atividades podem ser enquadradas em áreas como a língua portuguesa e a comunicação por forma a compreender melhor os conceitos e a concretizá-los no quotidiano. Também, desta maneira, cada participante vai aprender a valorizar mais a educação, as artes (porque a música e a dança fazem parte da arte) e, se estas dinâmicas forem realizadas na natureza, também irão compreender a importância dos sentidos e estarão mais sensibilizados para o todo que os rodeia. Cada vez se fala mais da importância do movimento para uma melhor aprendizagem e, também, da dança, mais especificamente (pode-se ler aqui um artigo que reflete sobre isso mesmo). Quando se aprende a amassar, com um pilão e um almofariz, o gomásio, em grupos pequenos, vamos sensibilizar para os sentidos, dar valor aos odores, vamos partilhá-lo uns com os outros, e vamos, provavelmente, ficar ainda mais curiosos sobre como usar o gomásio na alimentação e os seus benefícios. Desta forma, compreendemos ainda que a comunicação ou a língua portuguesa não se podem dissociar, por exemplo, do trabalho do corpo, da voz, da respiração, de conteúdos relacionados com a alimentação. Tudo se enreda, tal como na dinâmica do novelo, se interliga e aproxima, apesar de por vezes não parecer, ou de não fazer muito sentido.
O tempo da viagem
Como disse acima, tudo isto requer tempo, tanto na preparação das dinâmicas, como também na execução das mesmas. Alguns professores dizem que, tendo em conta o sistema educativo estruturado, não é possível ter tempo para estas dinâmicas, pois existem inúmeras burocracias a serem resolvidas para além dos momentos preenchidos com os alunos/formandos; para além disso, também existem os próprios conteúdos programáticos que, devido à sua extensão, tornam praticamente impraticáveis estas dinâmicas de grupo, com cruzamento interdisciplinar, usando e abusando de espaços que não apenas os escolares. Compreende-se a frustração das equipas da comunidade educativa. A questão aqui também é o que é que cada indivíduo, enquanto professor/formador, valoriza. Quais são os valores pelos quais se pauta e em que acredita? Para que tipo de sociedade estaremos todos a trabalhar? Será para o salve-se quem puder e para o estímulo constante da competição ou será para o fomento do aperfeiçoamento individual no todo, procurando aprimorar os interesses pessoais, tendo sempre em consciência a cooperação? Porque provavelmente também não se chegará a muitas soluções se estivermos constantemente a reforçar que o sistema é aquele e que, por esse motivo, não podemos alterar grande coisa, porque poderemos estar a entrar na desresponsabilização e na desistência. Não será mais interessante consciencializarmo-nos de que existe um sistema educativo vigente que se procura repensar e qual poderá ser o nosso contributo nessa reflexão conjunta e o que poderemos nós já começar a fazer nestes momentos com os alunos/formandos? Poderemos começar por ouvi-los mais, a revelar interesse pelos seus temas de conversas e pelos seus dons, a compreender o que os move e se querem fazer perguntas e sugestões; por estimulá-los a fotografar na rua aquilo que os manuais mostram, entre outras atividades, porque o que está nos manuais faz parte das nossas vivências diárias. Os manuais ou os conteúdos programáticos servem de guiões, tal como na preparação das adaptações dos romances dos livros para o cinema. Podemo-nos inspirar nesses “guiões” e depois procurar ser criativos na forma de refletir os conteúdos, nunca esquecendo que estamos sempre todos inseridos num todo, numa comunidade em constante cooperação. E nessa forma de refletir podemos inserir toda a comunidade, ou seja, os alunos/formandos, os pais e familiares dos mesmos, e o resto da comunidade escolar. Dessa forma, e cada um com a sua competência e habilidade, pode-se contribuir para o conhecimento mais profundo e significativo, acabando cada um por ganhar e não por perder tempo, porque todos crescem nesta viagem.
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