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O começo

  • Foto do escritor: tmpego
    tmpego
  • 30 de ago. de 2020
  • 4 min de leitura

Atualizado: 13 de set. de 2020

Desde pequena que sempre tive ligação com a natureza. A escola era contígua ao Jardim Botânico da cidade; ao lado da minha casa havia um pomar, lugar de treino intensivo da imaginação em terras desconhecidas, recheadas de meandros de odor a tangerina e de gigantescas canas que serviriam de qualquer cajado para apoio na magia da viagem.


1974, dezembro. Nasci na cidade de Coimbra, depois da revolução dos cravos. Tinha mesmo de nascer numa altura em que as pessoas que lideravam uma luta encheram os canos das espingardas de natureza. Talvez, de alguma forma, isso me tivesse influenciado os passos, já aí, ou não. Passei grandes temporadas da minha infância em casa dos meus avós, na cidade de Braga, uma casa de construção antiga de traça solarenga, com grandes janelas de guilhotina em madeira com vista para quintais e horizontes que incitavam à imaginação. A própria casa, de longos corredores lançava ideias para histórias cheias de ecos misteriosos e de magia. Ali qualquer coisa era possível, vinda de um sótão que rangia em qualquer estação do ano e onde se podia assistir a magníficas tempestades só a olhar para a claraboia de vidro. Nessa casa havia animais que não eram de ninguém, apenas visitantes esporádicos que nos olhavam curiosos, usufruíam da nossa companhia por um bocado e depois regressavam ao seu caminho.


Durante o ano, tinha a oportunidade de ir frequentemente ao grande jardim da cidade de Coimbra, o Jardim Botânico. Aí a criança que entrava não era de todo a mesma que saía, repleta de terra nos cabelos, nas mãos e na boca, sempre de imaginação em riste, tendo por uma hora ou mais viajado por mundos encantados construídos por ela. Com os amigos, faziam-se comidinhas nas folhinhas e o chão de terra convertia-se em tela e os paus que se encontravam em pirâmides de arbustos eram os pincéis. Na própria escola, as árvores eram uma constante e havia sempre a possibilidade de fazer impressões com tintas e folhas apanhadas no Jardim. Perto da minha casa havia um pomar e, mesmo sendo privado, por vezes não resistia a saltar os muros e ir cheirar as tangerinas ali tão perto. Na casa dos meus avós de Coimbra, a minha ligação à natureza era apenas a larga varanda de um prédio velho da Rua da Alegria, onde residia também um canário amarelo que de vez em quando dava os ares da sua graça com uns trinados especiais e a magnífica vista sobre o Parque Manuel Braga e o Rio Mondego.





Posso dizer que brinquei muito na rua, nos jardins e nos parques. Todos os anos, os piqueniques nos pinhais do Buçaco, do Gerês ou de Ofir eram uma constante. Aprendi a fazer da Natureza minha amiga e o mundo das minhas criações imaginárias. Claro que quando tinha amigos para compartilhar esses momentos, tudo se tornava ainda mais encantador, porque havia sempre esse espaço de partilha comum de algo que para nós se convertia num refúgio, num mundo idílico, onde as histórias eram nossas, criadas naquele momento, imaginadas e concretizadas numa realidade que víamos de forma tão clara. Naquela realidade natural, de perfume a tangerina e a gatos de rua, éramos felizes sem haver necessidade de objetos, apenas a nossa cabeça e a capacidade imaginativa.


O início da educação pela arte na natureza



Curiosamente, ao longo do meu crescimento, nunca fui capaz de me distanciar da natureza. Lembro-me que até na primeira escola onde fiz o meu estágio pedagógico, fiquei contente por haver um jardim interior e uma árvore ali no meio. Ali estava a minha respiração, no meio de um edifício de betão. Lembro-me de ter ficado encantada com o filme “O Clube dos Poetas Mortos” e da possibilidade de se ensinar no exterior, fora das salas de aula, e com outra disposição dos participantes. E foi assim que a saga começou. Foi assim que procurei, ao longo desta minha experiência enquanto professora e formadora, começar a pensar em outras formas de passar o conteúdo aos alunos. Como mais tarde comecei a dar formação a jovens do ensino profissional e compreendi que os métodos de ensino que utilizava não eram suficientes para tornar as aulas apelativas, comecei a procurar outras formas de lhes passar a mensagem. E foi assim que foi surgindo a educação pela arte e a educação em outros espaços que não somente as salas de aula fechadas. Criámos blogues com diverso tipo de conteúdo como textos escritos pelos alunos, pesquisas feitas por eles, temáticas específicas e depois líamos textos no exterior, procurávamos perceber o que era isso de escuta ativa, utilizando a voz, o espaço, procurávamos perceber como o espaço era crucial para o nosso entendimento dos conteúdos e o nosso foco.




Mais recentemente, procurei espaços para dinamizar atividades com temas no meio da natureza e percebi que dava resultado. As pessoas gostavam de ser conduzidas a refletir, mas de outra forma, e de preferência de uma maneira mais dinâmica, mais imersiva, como sendo elas a parte ativa de todo o processo. Encontrei lugares. O Mosteiro de Tibães. Esse espaço foi palco de uma profunda reflexão e a natureza serviu-nos de inspiração para compreendermos como escutamos, como comunicamos connosco e com o outro, como respiramos e como caminhamos e o que isso diz de cada um de nós e da nossa comunicação e relacionamento com o outro. Posteriormente, e juntando ainda a expressão criativa, a expressão plástica, a fotografia, a escrita criativa e a dança circular, compreendi que através da arte muitas pessoas se revelavam, se embrenhavam ainda mais no momento em que estavam e se abriam a novas formas de partilha, de forma mais livre e despreocupada.




Cada dia que passa, compreendo que o desenvolvimento do indivíduo passa pelo coração, pelo afeto, e já lá dizia Paulo Freire, "Educar é um ato de amor". Passa por por um círculo de aprendizagem, imersivo, tendo sempre presente a arte diversificada, uma transversalidade de conceitos e de técnicas e o espaço exterior, a natureza, para além do interior.


#descobertacriativa#movimentocriativonanatureza#educaçãopelaarte

 
 
 

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