O Silêncio
- tmpego
- 29 de mar. de 2021
- 5 min de leitura

O silêncio no esquema comunicacional
Curiosamente, ao longo da minha vida de estudante, ouvia falar do esquema comunicacional com vários elementos presentes, como por exemplo: o emissor, o recetor, a mensagem, o canal, mas pouco se valorizava o silêncio. No entanto, penso cada vez mais, enquanto ser humano, cidadã, professora/facilitadora de cursos de comunicação, que é algo a que se deverá dar bastante valor.
Logo à partida, quando se começa um encontro com pessoas interessadas num determinado assunto, o professor/formador pode optar por oferecer esse espaço feito de silêncio aos participantes por forma a escutar o que estes pretendem ouvir, no sentido de compreender os seus interesses, objetivos e expectativas. Este é o silêncio que dá lugar à escuta, na minha opinião um silêncio precioso, que vai abrir caminho para o conhecimento do outro, para lhe criar um momento único que é dele, em que o mesmo pode partilhar a sua visão, sem interrupções. O facto de lhe ser dado um tempo para se poder expressar é algo que o faz sentir olhado, escutado e valorizado, que o faz compreender que a sua opinião conta, que aqueles pensamentos (muitas das vezes emaranhados na sua cabeça) estão a tomar uma forma cada vez mais clara na sua transposição para o ar, que é o canal de transmissão da sua mensagem. Se neste canal houver alguma interrupção, ou o chamado “ruído”, muitas das vezes a pessoa que estava a falar retrai-se e não termina o seu pensamento, sentindo-se desvalorizada; por outro lado, também se pode sentir injustiçada por ter sido interrompida (porque achou que o seu pensamento não foi escutado até ao fim) e também poderá protestar com mais palavras ainda, deixando de haver fluidez na comunicação, porque cada pessoa que fala interrompe alguém, sobrepondo palavras por cima de palavras, reunindo uma amálgama de frases desconexas, repletas de sentimentos frustrados de incompreensão por não terem sido escutados até ao fim. Nestas situações, frequentemente, indagamo-nos se devemos ou não adotar uma postura de silêncio ou se devemos tomar posição. Mas será que numa situação tensa em que alguém que estava a falar e é interrompido por outra pessoa, a primeira deverá tomar alguma posição? Poderá dizer que gostaria de terminar o seu pensamento; ou poderá optar por silenciar, esperando que a pessoa que interrompeu termine a sua perspetiva até ao fim. Este é o silêncio que dá lugar à observação, que dá lugar a um recolhimento interior da palavra, do olhar do comportamento do outro e das palavras que são ditas. Nem sempre esse recolhimento é pacífico, porque a pessoa foi obrigada a fazê-lo, dado que outro a interrompeu; outras vezes, a pessoa recolhe as suas palavras, guarda-as e espera que a outra pessoa termine o seu pensamento para depois as expressar até ao fim. Nem sempre esta atitude é fácil de concretizar.
Na verdade, a comunicação muitas das vezes realiza-se num palco semelhante ao que descrevi. Para além disso, pelo facto de não haver uma valorização do silêncio e do ato da escuta no esquema comunicacional, que é um dos conteúdos das áreas ligadas à comunicação, estas situações continuam a repetir-se em vários contextos, sejam eles formais ou informais, o que gera sempre desconforto nos intervenientes que neles participam.
O silêncio como um ato cívico
Sendo assim, no contexto familiar e também no escolar, o silêncio para escutar deveria ser cada vez mais valorizado. E esta valorização passa pela prática constante, seja através de debates no seio familiar, seja em contexto escolar, ou do trabalho, sendo que estes diálogos deveriam pautar-se pela oferta de momentos únicos a cada um dos participantes, em que estes teriam um tempo específico para se expressarem, enquanto os outros ouviriam e fariam as suas anotações se desejassem depois comentar algo. Muitas das vezes, isto não acontece em contextos mais informais, porque as pessoas, devido à espontaneidade e à intimidade que têm umas com as outras, acabam por se atropelar, pensando até que não afetam a comunicação partilhada, mas nem sempre é assim, porque todos nós somos diferentes. O silêncio para dar lugar à escuta é um ato cívico, é como dar o lugar de passagem quando encontramos o sinal para dar prioridade ao outro condutor. Neste caso, falamos da condução da mensagem e não da condução de carros mas, na verdade, é algo parecido e, indubitavelmente, faz parte da educação cívica.
O silêncio e a partilha
Será que deveremos fazer silêncio quando temos tanto para dar, tantos dons para oferecer aos outros, que podem ser motivo de inspiração para as suas próprias vontades de criar? Será que devemos silenciar os nossos dons porque achamos que não somos perfeitos nem tão bons como um determinado artista, ou poderemos nós optar por uma postura de partilha? Mostramos, porque gostamos daquilo que fazemos e queremos partilhar no sentido de inspirar, ou escondemos e silenciamos porque temos medo das críticas prontas de alguns, e até da nossa própria crítica interna que nos segreda que não somos bons o suficiente, que não somos perfeitos e que deveríamos ser tudo e mais alguma coisa para termos um perfil de excelência… e perfil de excelência segundo que padrões? Os nossos ou os de outras pessoas?
O silêncio enquanto consciência e prática diária
O silêncio pode-se praticar de forma quotidiana dentro de nós, se assim o entendermos. A imersão no centro profundo de um bosque permite-nos aceder a um silêncio interno, livre dos ruídos da nossa mente que nos podem impedir de caminhar de forma mais leve e pacífica. Quando entramos naquele acolhimento verde natural, o nosso olhar pousa no detalhe do que nos chama a atenção e desvia de outras inquietações que, num espaço urbano e ruidoso, poderiam proliferar. Numa época extremamente célere no que respeita à acessibilidade à informação, frequentemente existe um consumo exacerbado de ideias. A certa altura, as ideias e pensamentos são tantos que transbordam, porque já não há espaço dentro de nós. Corremos para alcançar esta sabedoria que nos é oferecida a toda a hora e, depois, apressamo-nos a esvaziarmo-nos dela, cansados de tanta informação. Cada um terá a sua estratégia para apaziguar ruídos internos, como por exemplo: a meditar, a jardinar, a tocar um instrumento musical, a caminhar à beira-mar ou num jardim, a brincar com os seus filhos, a ler um livro, a escrever, a cozinhar, ou outros exemplos que permitem afastar a mente de situações que trazem ansiedade e “ruído”, o que se irá repercutir na qualidade de vida.
O que nos diz o silêncio? O que nos traz? Pretendemos dar-lhe voz e espaço dentro de nós ou pretendemos enchê-lo constantemente de estímulos e pensamentos? Se lhe dermos espaço, estaremos conscientes de que esse momento nos proporciona um mergulho à nossa profundidade, de que essa viagem poderá fazer emergir vestígios passados dos quais já nem nos lembrávamos e que de repente emergiram? Isso apazigua-nos ou amedronta-nos? Seremos nós acolhedores do silêncio ou hostis, com receio do que vamos encontrar? #paixoescomsentidos #movimentocriativonanatureza #comunicacao #silencio
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