É preciso saber cativar, mas também é preciso saber agarrar
- tmpego
- 27 de jan. de 2021
- 4 min de leitura

Os desafios, trampolim para a mudança
E neste caminho da educação que tenho partilhado, onde estão os desafios? Posso dizer que desde o primeiro momento que entrei na sala de aula começou a aventura. Naquela altura, em finais da década de 90, a formatação que tinha recebido orientava-me para um estilo de ensino com o qual me identificava, mas que ainda vagueava numa nuvem teórica, sem qualquer tipo de experiência.
Durante os primeiros anos não questionei muito o sistema onde me enquadrava, nem mesmo os programas que regiam a forma como me movimentava neste meio. Foi na altura em que iniciei a experiência enquanto formadora, nos cursos profissionais, que me comecei a questionar sobre as metodologias pedagógicas, devido ao facto de ter um público um pouco diferente daquele a que estava habituada. Muitos dos alunos que estavam nestes mesmos cursos estavam cansados da escola e pretendiam uma alternativa que fosse ao encontro das suas expectativas. Provavelmente, eles não sabiam exatamente o que pretendiam porque, quando lhes perguntava, o silêncio frequentemente imperava. Curiosamente, notava alguma resistência quando os questionava sobre o que pretendiam, quais eram os seus objetivos, que tipo de atividades gostariam de sugerir. Muitas das vezes, alguns deles desabafavam dizendo-me que era muito mais fácil realizar fichas com conteúdo já predefinido do que pensar e sugerir atividades sempre diferenciadas. Apesar desta relutância em refletir e em fazer diferente, depois de alguma persistência, o trilho lá começava a serpentear no meio de um bosque que se lhes afigurava surpreendente, porque tinha sido semeado por todos, pelo dom que cada um continha algures num recanto longínquo de si.
Nos primeiros anos foi desafiante, porque me apercebia que as metodologias que me foram passadas não funcionavam com aquele público que ansiava por algo que nem eles nem eu sabíamos exatamente o que era. Apercebi-me depois de alguns anos (talvez uns quatro ou cinco anos neste tipo de ensino) que precisava de os escutar para perceber as suas necessidades. E foi assim que, no meio de leituras de textos e análises literárias, surgiram conversas infindáveis sobre a injustiça social, o relacionamento interpessoal, a família, os amigos, a política. Compreendi, então, que seria talvez interessante procurar interligar estas temáticas sempre atuais com os textos que os programas do Ministério da Educação nos sugeriam. No entanto, certo era que o segredo estava mesmo na arte de escutar os formandos.
Como escutar, fazer o pino e cumprir os referenciais programáticos?
A arte da escuta tem sido algo que tenho procurado fazer desde o momento em que percebi que as metodologias pedagógicas que era habitual implementar não estavam a funcionar para aquele público específico. Aliás, foram estes formandos que me ajudaram a compreender que cada ser humano é diferente, tendo o seu próprio ritmo de aprendizagem. Compreendi que para cada grupo de pessoas que me aparecesse iria sempre escutá-lo primeiro, auscultando os seus interesses, paixões, objetivos, desafios, interligando depois os temas sugeridos pelos referenciais. Depois, comecei a querer experimentar atividades diferentes, pois sempre tinha tido uma enorme paixão pelas artes e pelo que estas traziam de benéfico ao ser humano. O segredo, da altura e ainda de hoje, passa muito pela observação atenta de cada um, por perceber o que o move e os seus interesses para além do caminho formativo. Depois, seguindo os objetivos dos programas, os interesses de cada formando e atentando também na minha sensibilidade, procurar criar atividades diferenciadas que os cativem o máximo de tempo possível e que as mesmas os levem à aprendizagem significativa. Foi e continua a ser um desafio, sem dúvida, este equilíbrio entre escutar, persistir, argumentar, convencer, fazer o pino e cumprir o que também estava estipulado, mas acabava por se chegar à meta, apesar de toda esta arte circense que em conjunto se edificava.
Conheci a paixão da Diana, do Hélder e do Gaspar pela fotografia, do Miguel e do Rui pela escrita, do Manuel pelo teatro, do Paulo pelo design, do José e do Rúben pela música, do Carlos e da Paula pela pintura, da Isabel pela política, do Vítor pelos postais festivos… Depois era pegar nessas paixões, adicionar uma pitada de criatividade, uma atividade colaborativa, que envolvesse as gentes da comunidade educativa, as gentes que habitavam a cidade, em suma, que envolvesse o exterior e não somente a sala onde decorria a formação, para a receita ficar completa.
Todos os dias eram um desafio. Nunca sabia o que ia encontrar. Mesmo conhecendo cada pessoa, os mares que se moviam dentro deles estavam sempre ondulantes, ora de uma calma excessiva, ora de uma turbulência desafiante. Juntando o meu mar a tudo isto, era imperioso o equilíbrio constante. Foi aqui que compreendi o valor das artes na educação e de como era poderoso poder usar e abusar delas, porque elas faziam parte do universo de todos e eram uma maneira de cada um de nós se expressar da forma mais livre possível. Assim, aprendiam eles e aprendia eu a diversificar a metodologia pedagógica e a desconstruir-me para me reconstruir. E por tudo isto, só lhes posso agradecer porque, na verdade, e como diz um dos meus formandos, é preciso saber cativar, mas também é preciso saber agarrar.
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