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Um Pulsar de Corações - A Dança Circular Meditativa

Julho de 2023.

Viajei até ao Vimeiro, na Lourinhã. Aqui neste lugar, a segunda parte do Curso de Danças Circulares Meditativas iria desenrolar-se, numa casa de madeira, rodeada por campos de abóboras e um monte recheado de árvores de espécies diversas.


Depois de alguns meses a estudar e a fazer uma prática autónoma, encontrando-me semanalmente com a Cláudia de Jesus, a nossa focalizadora e professora do Curso de Professores de Danças Circulares Meditativas, e com os colegas inscritos neste Curso, chegava agora o momento em que as presenças humanas se iriam finalmente conhecer, tocar, olhar, dançando agora em conjunto e em círculo.

Reconhecer os rostos. Das janelas da paisagem virtual passámos para o toque, para a presença calorosa do olhar e do sorriso que abraça. A natureza, a nossa e a que nos sustenta os passos que, de repente, se encontram uns com os outros. Reconhecem-se pelas batidas, pela prática num invisível solitário que agora ganha a forma maior e mais consistente do conjunto. O círculo, sempre o círculo e o encontro connosco. Silêncio e o encontro com os outros, irmãos, irmãs.





O movimento, o respirar conjunto, os passos inicialmente desordenados, a falar ao mesmo tempo, a interromperem-se porque ainda não estão preparados para se escutarem profundamente e depois o silêncio e um passo comum, compassado. Se a escrita fosse onomatopaica, poderia agora iniciar um conjunto de sons transpostos aqui para o texto que poderiam ser impercetíveis para muitos. Tic, paaam, crac, paaaa, tum tum.


Depois o corpo é um gesto que se recolhe, em concha e, com vagar, ergue-se que nem tronco de árvore sólido e a expansão em ramos infinitos de possibilidades. Por vezes, há palavras, orações, pequenos contos, histórias e sempre a suavidade da voz que abraça profundamente e nos impulsiona para um voo infinito, mas com raízes.





Cláudia. A mulher guerreira dançante que num porte leve sereno, mas firme, nos conduz à sabedoria do movimento em círculo. A doçura emanada pelos seus passos transforma-se depois em batidas esvoaçantes, naturais, que elevam as partículas no ar e onde a respiração é um fogo que arde e se vê e aquilo que somos já não sabemos mais onde está. Quem sou eu, quem sou eu?… Cláudia, a mulher agregadora, cujo olhar meigo é um mar que se transforma, que nos transforma e nos inebria e aproxima num gesto circular.


A suavidade e vontade entusiasmante de viver e de expressar da Ana Faustino, o seu “tic”e o “páaaaa” do “Princípio da Luz”; a calorosa mão da Ana Vieira, a mão que cura, mão que agarra, mão que brinca e sorri, saltitante. As suas danças “Sutra do Coração” e “Gathu Nawula”. Sainte-Baume. Maria Madalena. A presença de Madalena tão fortemente entre nós, círculo de cura, círculo de partilha, de aproximação, de libertação, de expressão, cada um da forma que soube melhor fazer. A presença de deusa guerreira da Lina, porte altivo e assertivo de uma doçura terna no olhar, sempre presente e com a gargalhada solta; o seu amor à “Mãe Lua”. A presença doce, de contador de histórias que abraça e nos leva a mergulhar em nós, na criação do mundo, do Luís. Mão suporte, mão que cura, mão que leva e traz a casa, a nossa casa. As suas danças “Desde Ti” e “Mantra”. Anabela e o seu olhar sereno, ouvinte, profundamente ligada à terra, às raízes, com um porte de yoguini que envolve as mãos, os dedos dos dedos das mãos num círculo que rodopia e rodopia e se transforma numa espiral faiscante de energia do Amor. A sua dança “Gathu Nawula”. Elsa e a doçura daquela que vê, daquela que perscruta o sagrado em nós. A mulher que acolhe, acarinha e sente. O reconhecimento de almas irmãs, o anuir da cabeça em gesto de reconhecimento: “Sim, eu Vejo-Te! Eu Reconheço-Te! Estamos aqui” A sua dança “Boadicea”. A minha dança, “Coração Sagrado” e “Mantra” pela sua simbologia de conexão, proteção, pelos movimentos fluidos e de uma sensualidade profunda.





Os almoços macrobióticos da Palucha, a mulher de amarelo, debaixo do sobreiro. De repente, parecíamos transpostos para uma tela de Monet, quase que um “Déjeuner sur l’herbe”. Durante aqueles quatro dias, o único momento em que nos lembrávamos do estômago era quando um ponto suave amarelo se dirigia para debaixo do sobreiro a estender as toalhas e o repasto sempre surpreendente e reconfortante. A companhia do Júlio, bombeiro e fotógrafo, e o seu poder de observação, curiosidade e meiguice do gesto. O seu olhar e um acompanhamento de dentro e de fora do círculo, numa leveza dançante, sensível, capaz de nos escutar e sentir sem palavras.


A presença e o cuidado amoroso de uma só pessoa pode transformar muita coisa. Quando se entra no círculo, já não se sai mais dele. A partir do momento em que se escolhe fazer parte daqueles passos que se vão seguindo uns aos outros até formarem um só, jamais se vai sair daquele som, daquela batida que sobe pelo corpo todo e transcende na infinitude. A escolha é sempre nossa. Vamos para o círculo ou ficamos de fora simplesmente a observar? Nós escolhemos dar um passo em frente e fazer parte do círculo e agora as raízes, os laços são fortes e enlaçam-nos até este momento na invisibilidade. Não há tempo nem espaço. Tudo está e tudo é. É isso o que o círculo nos traz. O Todo, o tudo ao mesmo tempo e no mesmo lugar.


A dança circular faz voar, mas também faz focar, traz o olhar ao centro, àquela luz da vela ondulante que nos enfeitiça e nos faz mover, de olhos fixos, inicialmente, nela para enraizar, e depois soltar e deixar o olhar livre para a vida que nos envolve a todos. Como de repente tudo se torna mais simples em presença, a dançar em conjunto. É a força do encontro, do nosso encontro connosco e com aqueles que também estão dentro do círculo. Primeiro há um círculo imaginado, quando a prática nos vai ensinando os movimentos, fazendo integrar também o seu lado simbólico. Depois, o círculo é real e a exigência da presença e do foco faz-se sentir.





A pequena casa de madeira aberta para a natureza.

Era aí que tudo acontecia, naquele palco de madeira morno, decorado com vasos de plantas, pedras e macramés pendurados nas paredes de madeira, a incitar ao movimento do corpo, dos pés, na roda. Naqueles quatro dias, sentimos os pés no soalho convidativo para a dança até transitarmos, de mansinho, para a terra quente e pulsante, para a relva que acolhe e aviva.


E nessa transição do palco para a vida que flui, o olhar e o sentir viajaram de mãos dadas. Debaixo do sol quente, suavemente tocados pela brisa da manhã, sentíamos as palavras de Cláudia, palavras que eram poesia em movimento. As palavras eram ramos, raízes, seiva, lava, centro da terra, céu, água, fogo, vento, ar que percorre todos os cantos do corpo e o move, reaviva, eleva. Os pés, bem presos à terra, sentiam o sangue da terra entre nós, sentiam o entrelaçar fluido dos elementos, dos seres num só, pois o rodopiar do círculo era tão forte que se transformava num ponto único brilhante no Cosmos.


A mente não se impôs a certa altura, deixou fluir como um rio. Os abraços. A reverência. O deslumbramento pelo Todo. O comboio dos abraços para um lado e para o outro, o comboio do embalo, do amor… e aqui voltamos ao útero, ao útero da nossa primeira casa, o nosso primeiro mar, que nos permitiu as primeiras braçadas, o primeiro respirar. O útero da nossa mãe, o primeiro mar. Útero da mãe Terra.





O simbolismo de tudo, de um tronco, de uma libélula, de um escaravelho poderoso a irromper, indiferente aos nossos passos, pelo círculo adentro, uma aranha de proporções consideráveis, uma popa, borboletas de vários tamanhos e feitios, lagartos, formigas gordas, as amigas moscas, o sol, a brisa de uma maresia longínqua que dançava com os ramos das árvores e com os nossos braços.


A praia. O círculo. Nós. A dança.

O sentir da brisa por entre os cabelos, nas reentrâncias do nosso corpo, o sentir das mãos nas mãos, os dedos dos dedos das mãos. No centro, um pulsar de corações e a água a limpar-nos do que não nos trazia mais significado, do que não fazia mais sentido no nosso caminho. A sacralidade dos gestos, a reverência dos passos, a reverência ao outro. Tudo isto traz a dança, tudo isto faz emergir aquilo que a todos nos une e nos acolhe e aproxima enquanto humanos: a vontade de expressar, de sentir, de dar e receber, de sentir o regresso da seiva da terra em nós, nas nossas veias e depois o regresso do nosso sangue à terra, ao todo.




Fotografias: Júlio Barreiros


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