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Vermo-nos dentro da “Escola de Atenas” de Raphael




A aproximação vai-se desenhando com vagar e tranquilidade. O corpo está em paz e move-se, consciente de si e daquilo em que acredita. São alguns anos de vivência já, muitas histórias escritas e aprendizagens. As rugas da pele são isso mesmo, resquícios de experiências que ficaram aí impregnadas. Admitir a presença do tempo debaixo dos meus olhos, nos cansaços que o meu corpo agora já me vai segredando. Vou fingir que não vejo? Vou fazer de conta que não sinto? Não, vou deixar entrar o tempo, convidá-lo para tomar um chá e ali ficar com ele a rir-me desta coleção de vivências que faz parte de mim, do meu Ser e que, na realidade, faz parte também de muitos outros seres que se vão cruzando comigo e com os quais me vou ligando através de teias invisíveis.


"(...)Admitir a presença do tempo debaixo dos meus olhos, nos cansaços que o meu corpo agora já me vai segredando. Vou fingir que não vejo? Vou fazer de conta que não sinto? Não, vou deixar entrar o tempo, convidá-lo para tomar um chá e ali ficar com ele a rir-me desta coleção de vivências que faz parte de mim, do meu Ser(...)"


A aproximação vai-se movendo lentamente e os corpos, inicialmente resistentes, vão-se deixando levar numa dança que lhes é estranha mas que depois se entranha, abrindo espaço à experiência, à reflexão, à partilha e à criação conjunta. Talvez até inicialmente os corpos resistam, os rostos se franzam pelas histórias aprendidas, pela formatação passada, mas depois o círculo abre-se a outras formas de aprender.


Os temas falam-se, são olhados de várias perspetivas, levantando-nos da cadeira, não nos limitando aos mesmos espaços, àqueles que alguém nos disse para tomarmos um dia. E dessa forma, nesse caminhar contínuo, uns ao lado dos outros, vamo-nos conhecendo todos um pouco mais, deixando para trás aqueles esbarramentos quotidianos aos quais nos vamos já habituando sem pensar. A aprendizagem pode ser divertida. O trabalho pode ser divertido, um prazer. E quando digo isto não quer significar que esta aprendizagem, este trabalho não impliquem esforço, estudo, reflexão e muito do nosso tempo, porque é precisamente isso que acontece. Aquilo que é produzido, que é conseguido num grupo que se pretende ser de encontro e de acolhimento requer um autoestudo diário, uma predisposição para a descoberta, um coração aberto para a aprendizagem diversificada e com pessoas também elas diferentes de nós por forma a compreendermos vivências e formas de as experimentar diferentes.


A natureza tem sido aliada nesta criação de lugares de encontro, porque traz à memória de muitos a vivência da simplicidade, da observação e da permissão para se Estar e para Ser. A natureza é escola, é lugar de aprendizagem e não falo apenas de compreender os aspetos mais funcionais da mesma, mas dar a permissão para que cada pessoa que lá se encontra volte a ter tempo para si, para se dar a conhecer, envolvendo-se também com as histórias dos outros presentes. Até em formações para pessoas que estudam essencialmente informática e trabalham com computadores diariamente é possível criar estes lugares de encontro e acolhimento. Eles são os primeiros a admitir que precisam destes lugares e momentos para se poderem conhecer um pouco (a eles próprios e ao grupo com o qual estudam ou trabalham).


"(...)A natureza é escola, é lugar de aprendizagem e não falo apenas de compreender os aspetos mais funcionais da mesma, mas dar a permissão para que cada pessoa que lá se encontra volte a ter tempo para si, para se dar a conhecer, envolvendo-se também com as histórias dos outros presentes. (...)"


Recentemente, por detrás dos ecrãs de computador, sem a presença humana, vários jovens reforçaram a importância da relação para uma aprendizagem mais significativa, porque também na relação se aprende, quando cada um se identifica com uma história que é contada. E agora, já presencialmente, outro grupo de jovens volta a sublinhar a relevância destes espaços, a necessidade de frescura e liberdade para refletir, para colocar questões, permitirem-se alterar as perspetivas ao modificarem os contextos de aprendizagem e a perceberem que o conhecimento está espalhado por aí, em vários lugares, em várias pessoas, em vários seres. Para alguns, as formas de aprendizagem poderiam ser múltiplas porque cada pessoa tem o seu ritmo e a sua maneira de aprender, porque cada um pode chegar ao conhecimento de forma diferente.


Tantas pessoas a quererem aperfeiçoar algo que todos nós, desde que nascemos, começamos a fazer: comunicar. E porquê? Porque muitos dizem, sentem que necessitam de se conhecer, de se compreender e não de sofrer tanto e também, consequentemente, conhecer os outros e os seus mundos. Mas então nós não aprendemos isso na escola? Não aprendemos a conhecermo-nos? A aprofundarmo-nos enquanto pessoas? A escutarmos o nosso corpo? A compreender a natureza como um elemento vivo profundamente ligado a nós? Será que aprendemos a valorizar as nossas histórias, aquelas que vivemos agora e as do passado? Talvez aprendamos um pouco, mas não é o que se valoriza mais, porque também não há tempo para isso, pois a educação tradicional de ensino está presa a uma estrutura repetitiva, densa e com pontos inesgotáveis de conteúdos, pondo um pouco de lado o auto e heteroconhecimento de cada indivíduo, a aprendizagem da colocação de questões (habilidade que se foi perdendo depois da passagem de criança para adolescente).


Muitas pessoas almejam aprofundar a comunicação, a ligação e conexão a si próprias e aos outros, pois admitem já muito cansaço guardado nos seus corpos. Ao longo destes anos, enquanto facilitadora de grupos na área da comunicação e das línguas, tenho conversado com as pessoas e muitas dizem que querem aperfeiçoar a comunicação, que querem mais lugares para conversar, para se expressarem enquanto pessoas que são e não enquanto máquinas com horas de entrada e de saída. As pessoas pretendem ser vistas, escutadas, amadas por quem são e não por quem deveriam ser à luz de outros olhares. Gostam quando os espaços são despenteados, quando as mesas que estavam umas atrás das outras são todas encostadas à parede e de repente ficam ali sem ruídos, mas apenas pessoas, umas em frente às outras durante um par de horas. E durante esse tempo, os olhos veem-se, as ideias convergem, divergem e as ideias surgem, no meio de reflexões acesas, no meio de questões sem resposta, no meio de risadas que vêm mesmo lá de baixo, nem mesmo sei eu de onde, mas de lugares de verdade.


"(...)tenho conversado com as pessoas e muitas dizem que querem aperfeiçoar a comunicação, que querem mais lugares para conversar, para se expressarem enquanto pessoas que são e não enquanto máquinas com horas de entrada e de saída. As pessoas pretendem ser vistas, escutadas, amadas por quem são e não por quem deveriam ser à luz de outros olhares. Gostam quando os espaços são despenteados, quando as mesas que estavam umas atrás das outras são todas encostadas à parede e de repente ficam ali sem ruídos, mas apenas pessoas, umas em frente às outras durante um par de horas.(...)


E não só a natureza tem sido minha aliada, como também a expressão criativa. E claro que, quando a formatação nos prepara para uma determinada metodologia e quando nos deparamos com outra disruptiva resistimos um pouco, mas com vagar e tempo, a dança da aproximação acontece.


É um movimento lento, como disse, mas possível. A criação de lugares de encontro é algo exequível e toda a gente é capaz de concretizar em contextos diversos. Só por exemplo o ato de ler em voz alta, de se escolher um tema e se procurar excertos de livros que se possam de alguma forma associar ao tema proposto por alguém do grupo e daí depois surgirem temas de reflexão e colocação de questões que estão presentes no nosso quotidiano e na sociedade. Os lugares de encontro são precisamente isto, lugares de questionamento e não de verdade absoluta, de criação, partindo de um tema, de uma história, de uma conversa e depois a sabedoria de discutir com os pares, organizando-se para uma expressão conjunta e procurar não se limitar ao contexto onde se está, mas também levar questões e desafios para uma comunidade mais ampla, levar a reflexão e a prática para a rua. Não é do nada que Sophia de Mello Breyner e Vieira da Silva expressaram juntas “A Poesia está na Rua”, porque está.


"(...)Os lugares de encontro são precisamente isto, lugares de questionamento e não de verdade absoluta, de criação, partindo de um tema, de uma história, de uma conversa e depois a sabedoria de discutir com os pares, organizando-se para uma expressão conjunta e procurar não se limitar ao contexto onde se está, mas também levar questões e desafios para uma comunidade mais ampla, levar a reflexão e a prática para a rua.(...)"


Escutar-se o outro, ouvir atentamente e com curiosidade os interesses do outro e aprender com isso, crescer com isso, burilar-se com isso. Esta consciência da humanidade em nós, da nossa impermanência porque em crescimento constante, tudo isto é lugar de encontro e acolhimento, porque conscientes das nossas diferenças, perspetivas e porque nos identificamos com histórias e formas de ser. Tudo isto nos aproxima mais, nos agrega em lugares de encontro ao ponto de nos vermos de repente dentro do quadro de Raphael “A Escola de Atenas”.

Quadro: "A Escola de Atenas", 1509, Raphael, Palácio Apostólico, Vaticano




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